Programa Estação Especial reuniu pesquisadores e professores membros do Instituto Histórico de São Leopoldo para refletir sobre a trajetória da instituição e os desafios da preservação cultural no Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul e no Brasil.
Em uma noite marcada pela memória e pelo reconhecimento da importância da história regional, o Instituto Histórico de São Leopoldo (IHSL) celebrou seu cinquentenário com um encontro no Centro de Espiritualidade Cristo Rei, espaço que guarda mais de 80 anos de história da cidade. O evento foi registrado no programa Estação Hamburgo, da Vale TV, e reuniu acadêmicos, arquitetos, linguistas e historiadores, reafirmando a relevância do Instituto Histórico como referência na preservação e difusão da memória do Vale do Sinos.
Fundado em 25 de julho de 1975, o IHSL nasceu do esforço de pesquisadores e entusiastas da história local. Desde então, vem acumulando contribuições fundamentais para a compreensão da imigração no Rio Grande do Sul, especialmente a alemã, mas também a italiana, polonesa, libanesa e outras etnias que ajudaram a formar a identidade plural da região. Ao longo das décadas, o Instituto se consolidou como espaço de debate, pesquisa e divulgação histórica, ultrapassando os limites acadêmicos para dialogar diretamente com a comunidade.
Da imigração à história pública: um olhar plural sobre o passado
Entre os convidados da celebração, a professora Karen Pupp Spinassé, presidente do Instituto Histórico e pesquisadora de línguas de imigração, destacou a importância de valorizar os idiomas trazidos pelos imigrantes:
“Não podemos tratá-los como dialetos menores, mas como línguas brasileiras, reconhecidas como patrimônio cultural imaterial. Elas fazem parte da nossa identidade.”
A historiadora Rosane Márcia Neumann, pesquisadora do Arquivo Público do Estado, reforçou que a imigração precisa ser analisada de forma crítica e ampla. Segundo ela, os documentos mostram não apenas conquistas, mas também conflitos, preconceitos e desafios sociais que ainda ecoam hoje.
“O bicentenário da imigração alemã nos leva a refletir não só sobre o passado, mas também sobre o presente, sobre como recebemos os novos imigrantes e como lidamos com a diversidade cultural em nossas escolas e comunidades”, explicou.
O arquiteto André Huyer lembrou que preservar o patrimônio não é apenas valorizar prédios históricos, mas também registrar modos de vida e tradições que tendem a desaparecer. “Se não documentarmos, perderemos não apenas construções, mas também saberes como os antigos moinhos e as práticas cotidianas dos imigrantes”, destacou.
Transformações ao longo de meio século
O professor René Gertz, um dos mais antigos membros, relembrou os primeiros anos do Instituto Histórico, quando predominava uma visão positivista e laudatória da imigração. Com o tempo, o grupo se renovou e se aproximou das universidades, passando a adotar uma perspectiva mais crítica e analítica.
Essa abertura possibilitou a realização de simpósios e parcerias com instituições como a Unisinos, além de incentivar a publicação de livros, traduções e reedições de obras esgotadas. “Foi uma virada que deu mais legitimidade acadêmica e ampliou o alcance social do Instituto”, afirmou Gertz.
Já o professor Rodrigo Luis dos Santos, atualmente na Universidade de Caxias do Sul, ressaltou a importância de levar o conhecimento produzido para além dos muros da academia. “Nosso compromisso é unir a pesquisa com a comunidade, porque a história só faz sentido quando está acessível a todos”, disse.
Desafios atuais e perspectivas futuras
Apesar das conquistas, os membros do IHSL reconhecem os desafios para manter viva a memória histórica. A redução de verbas para cultura, o desmonte de conselhos de preservação e a destruição de patrimônios arquitetônicos ainda preocupam. “Muitas vezes, o que sobra é apenas a fotografia de prédios demolidos”, lamentou André Rui.
Ao mesmo tempo, há sinais de renovação. Nos últimos anos, novos membros, inclusive jovens e mulheres, ingressaram no Instituto, ampliando sua diversidade. “Essa oxigenação mostra que a história continua viva e em constante transformação”, avaliou Rosane Neumann.
A pluralidade também se reflete nos temas pesquisados: além da imigração alemã, o Instituto tem aberto espaço para estudos sobre comunidades indígenas, negras, polonesas e de outras origens, reconhecendo que a identidade do Rio Grande do Sul é múltipla.
Günter Weimer destaca valor da arquitetura popular e permanência da história
Durante a programa especial dos 50 anos do Instituto Histórico de São Leopoldo (IHSL), o arquiteto e historiador Günter Weimer, o decano do Instituto, membro desde 1977, fez uma das falas mais marcantes do encontro. Ele lembrou que, por muito tempo, a arquitetura foi entendida apenas a partir de obras monumentais — palácios, igrejas e construções de grande porte —, mas que a arquitetura popular, fruto do trabalho dos imigrantes e das comunidades locais, também deve ser reconhecida como patrimônio.
“Imaginar que a arquitetura popular fosse uma coisa respeitável era quase uma heresia. Mas ela é parte essencial da nossa cultura material, tanto quanto os grandes monumentos. Preservar casas, moinhos e formas de construção simples é preservar a história das pessoas que ajudaram a construir esta região”, destacou.
Weimer explicou que sua trajetória acadêmica foi marcada pela luta em valorizar esse tipo de conhecimento, muitas vezes desprezado nos círculos universitários. Em suas pesquisas, ele comprovou a riqueza de técnicas desenvolvidas por comunidades do interior, como os moinhos d’água e as edificações de imigração, mostrando que esses registros carregam tanto valor histórico quanto a chamada arquitetura erudita.
Além disso, o pesquisador lembrou que a história nunca envelhece:
“Estilos arquitetônicos surgem e desaparecem, mas a história permanece. O que Heródoto escreveu há séculos ainda é estudado. A história não fica velha, ela se renova a cada olhar, a cada nova pesquisa.”
A fala de Günter Weimer ressoou entre os participantes do evento como um chamado à responsabilidade coletiva pela preservação. Em um momento em que o patrimônio cultural do Brasil enfrenta abandono e descaso, sua defesa pela valorização do “cotidiano construído” reafirma a missão do IHSL de manter viva a memória do Vale do Sinos.
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Um legado para o Vale do Sinos
Ao completar 50 anos, o Instituto Histórico de São Leopoldo reafirma sua missão de preservar, pesquisar e difundir a memória local. Em meio às comemorações do bicentenário da imigração alemã, seus integrantes defendem que as datas comemorativas devem servir não apenas para festejar, mas para provocar reflexão sobre os desafios atuais da sociedade.
“História é para ser colocada para fora, para a sociedade. Faz parte de todos nós”, resumiu a presidente Karen Pupp Spinassé.
Com 30 membros ativos e dezenas de colaboradores ao longo de sua trajetória, o IHSL segue como referência em história pública, aproximando pesquisa acadêmica e comunidade e garantindo que o Vale do Sinos continue sendo reconhecido como um polo cultural e de memória do Rio Grande do Sul.
Assista ao programa Estação Hamburgo no canal da Vale TV no Youtube:
Debate realizado no dia 29 de agosto de 2025 no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen.
